O tamanho do músculo pode influenciar o treinamento de musculação?

Mais ciência e menos crença! PAULO MARCHETTI

A musculação por si vem ganhando cada vez mais espaço no contexto acadêmico e profissional, e desta forma entende-se que diversos conceitos anteriormente plenamente aceitos e amplamente aplicados nas academias, como conceitos adquiridos por “herança dos mais antigos” podem hoje não serem mais considerados como fundamentais, básicos ou mesmo ultrapassados em se tratando da otimização da adequada prescrição contemporânea. Podemos até comparar a qualidade dos atletas fisiculturistas de antigamente com a nova geração e observar as grandes diferenças na qualidade e tamanho muscular! Com certeza, a “old school” foi fundamental para alicerçar o conhecimento atual, entretanto, ignorar o conhecimento científico, o qual utiliza estruturas, métodos, técnicas e equipamentos cada vez mais sofisticados, os quais visam explicar, com mais detalhes, os fenômenos do treinamento de força, pode beirar o insano.

Um destes conceitos o qual ainda voga e fundamenta os alicerces da musculação é a classificação do tamanho dos músculos quando se trata de organizar a montagem do treino de musculação. Tal classificação dos músculos em grandes e/ou pequenos é bastante rudimentar, pois esta simples comparação depende de quais músculos são comparados, além de que o tamanho do músculo não define o número de séries ou mesmo de exercícios que o mesmo deve realizar em uma sessão de treino. Em 2007 respeitados pesquisadores na área da anatomia humana publicaram um trabalho em uma importante revista científica internacional (Journal of Biomechanics) o qual apresentaram os valores médios de volume muscular, área de secção transversa e comprimento dos principais músculos de membros superiores. Todas as medidas apresentadas no referido trabalho foram realizadas através de ressonância nuclear magnética em indivíduos saudáveis, sendo considerado um grande avanço na anatomia, já que a maioria dos artigos clássicos se baseavam em estudos de cadáveres.

Interessantemente, os dados apresentados no referenciado estudo vão de encontro aos conceitos de tamanho muscular utilizados no ambiente das academias!! Por exemplo, no exercício supino, se considera o músculo peitoral maior como um grande grupo muscular e o tríceps braquial como pequeno. Entretanto, no referido estudo de Holzbaur (2007) apresentou as seguintes medidas para ambos os músculos: peitoral maior (290 cm³ de volume médio; 15,9 cm² de área de secção transversa e 20,2 cm de comprimento) e para o tríceps braquial (372,1 cm³ de volume médio; 40 cm² de área de secção transversa e 27 cm de comprimento). Desta forma, percebe-se que, em termos anatômicos, o tríceps braquial é maior que o peitoral maior em todas as medidas avaliadas, contrariando o conhecimento popular das academias.

E o que dizer então do músculo deltóide, que dependendo do movimento articular ou exercício, ativa primariamente uma porção distinta de seu volume total? Devemos considerá-lo grande, médio ou pequeno? O que vale seria a porção ativada ou seu volume total? A mesma consideração pode ser feita entre outros músculos que compõe cada exercício da musculação? E quanto aos exercícios multiarticulares que ativam diferentes músculos na mesma ação muscular?

 

Adicionalmente, músculos considerados maiores não apresentam maior necessidade de volume de exercícios, e sim alto grau de catabolismo ao término do treino, o que se faz com o efeito da carga de treino. O que dizer de um treino de “peito e tríceps” onde se utilizam 4 exercícios para peito (ex: supino reto, supino inclinado, supino declinado e pec deck) e 3 exercícios para o tríceps braquial (ex: francês, corda e polia), cada um realizado com 4 séries? Se considerarmos o volume total de séries por exercício observaremos que o músculo tríceps braquial apresentou maior volume total de séries (24 séries) quando comparado ao peitoral maior (16 séries), afinal os exercícios multiarticulares como os supinos dividem a ativação muscular entre o tríceps braquial, peitoral maior e deltoide anterior.

Desta forma, observa-se, atualmente, que deve-se ponderar primordialmente a seqüência ou mesmo o tipo de exercício a ser realizado, levando em conta a sinergia entre músculos primários. A sinergia é caracterizada pelos músculos que trabalham em conjunto, assim, a escolha ou plano de treino não deveria ser fundamentada no tamanho do músculo, mas sim no grau de participação de cada músculo no exercício escolhido. Por exemplo, quando escolhemos fazer 4 exercícios para o músculo peitoral maior, sendo que 3 destes são multiarticulares (ex: Supinos) o músculo tríceps braquial possui grande participação, e desta forma deve ser considerado primário nesta tarefa. Desta forma, o número de exercícios de forma isolada para o tríceps braquial poderia ser menor em uma divisão de treino clássica: “Peito e Tríceps”.

Então, o tamanho do músculo não possui qualquer influência no treino? O tamanho do músculo, mas especificamente a área de secção transversa, pode influenciar a produção de força visando produzir torque na articulação alvo. Assim, músculos com diferentes arquiteturas como ângulo de penação (ex. sentido das fibras: penado ou fusiforme) pode produzir mais força por área de secção transversa (ex. músculos penados comparados à músculos fusiformes, com a mesma área de secção transversa).

A quantidade de massa muscular envolvida no exercício também parece ser outro importante aspecto à ser considerado na escolha do exercício, e não o tamanho do músculo. Diversos estudos mostram que quanto maior a quantidade de músculos envolvidos nos exercícios de musculação, maior é a quantidade de estresse metabólico sinalizado para o sistema biológico.

Finalmente, percebe-se que quando se busca otimizar o programa de treino de musculação, conceitos apenas práticos, sem base na ciência, cada vez fazem menos sentido, reduzindo a lacuna entre teoria e prática. Portanto, não se deve menosprezar os conceitos práticos desenvolvidos ao longo dos anos e da prática de treino de muitos, mas a inclusão da ciência neste cenário deve chegar às academias, tendo o profissional a “humildade” de mudar seus conceitos, ao invés de tentar impor suas próprias crenças. Afinal, a musculação é baseada em evidências tanto empíricas quanto acadêmicas, e a associação de ambos em nossa prática diária mostra um profissional muito mais atualizado e focado nos resultados dos alunos.

 

 

Texto retirado de: fitnessbrasil.com.br

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