Abordagem Articulação por Articulação

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Outra importante evolução na forma como se vê o movimento, e que teve conseqüências práticas muito grandes para muitos profissionais que incorporaram o conceito, é a Teoria “Articulação por Articulação”.

Nascida de uma “conversa de bar” entre o fisioterapeuta norteamericano Gray Cook (o pai do já consagrado FMS – Functional Movement Screen) e seu compatriota, já citado neste artigo, Mike Boyle.

Ao discutirem os achados do FMS (mais sobre ele um pouco adiante neste artigo), Gray elaborou uma idéia que acabou rendendo o artigo (um clássico) escrito por Mike:

“A Joint by Joint Approach to Training” (“Abordagem de Treinamento Articulação por Articulação” seria uma tradução.

A idéia é simples, porém não menos brilhante:

O corpo pode ser descrito como uma pilha de articulações, com cada uma delas tendo uma função predominante de mobilidade ou de estabilidade. Sendo assim, cada uma dessas articulações tem uma necessidade específica no treino e cada uma delas tem níveis previsíveis de disfunção.

A imagem abaixo exemplifica a ideia.

 

O que chama a atenção é que o corpo alterna segmentos que necessitam de mais mobilidade com segmentos que necessitam de mais estabilidade:

Muitos pensam, e o autor do artigo cita isso, que grande parte das lesões musculoesqueléticas tem relação com essas funções articulares, ou mais precisamente com as disfunções articulares (exceto aquelas causadas por traumas, claro). Normalmente problemas em uma articulação se apresentam como dor na articulação acima ou abaixo. No artigo que citei, Boyle usa o exemplo das dores na coluna lombar:

A perda da função da articulação abaixo da lombar, o quadril, afeta a articulação acima, ou seja, a perda da mobilidade no quadril produz uma compensação por parte da coluna lombar, afinal precisamos continuar nos movendo.  Se o quadril não faz o seu serviço a lombar vai fazer. O problema é que a coluna lombar é uma estrutura que deveria fornecer estabilidade e não mobilidade ao sistema (claro que a lombar tem alguma liberdade de movimento, mas não é esta sua função principal de acordo com essa teoria), quando a articulação supostamente móvel perde sua mobilidade, a articulação estável é forçada a se tornar mais móvel como compensação, tornando-se menos estável e subsequentemente dolorosa.

A consequência prática dessa teoria, da incorporação desse conceito dentro do treinamento, é fornecer ao sistema articular estímulos que normalizem suas funções, incorporando ao menos um (ou mais de um, dependendo da necessidade) exercício que melhore a função de cada uma das articulações envolvidas.

 

Expansão da Abordagem Articulação por Articulação (Gray Cook)

Retirado do livro: Movement: Functional Movement Systems – Screening, Assessment and Corrective Strategies (N.T: Livro lançado em agosto de 2010, ainda sem tradução em português).

A conversa original entre Mike Boyle e eu a respeito da abordagem de treinamento articulação por articulação foi mais com a relação a um processo de pensamento do que a respeito de fatos fisiológicos e absolutos. Isto foi tema de muita discussão, mas aqui esta a pérola: Nossos corpos modernos tem começado a desenvolver tendências. Aqueles de nós que são sedentários, assim como aqueles de nós que são ativos, parecem migrar para um grupo com problemas similares de mobilidade e estabilidade. Lógico que serão encontradas exceções, mas quanto mais você trabalhar na área do exercício e da reabilitação mais você verá estas tendências, padrões e problemas comuns.

Um resumo rápido seria assim:

  1. O pé tem uma tendência à frouxidão (N.T: a palavra em inglês é sloppiness se alguém tem uma tradução melhor poste um comentário) e portanto poderia se beneficiar de maiores quantidades de estabilidade e controle motor. Podemos culpar calçados ruins, fraqueza nos pés e exercícios que negligenciam os pés, mas o ponto é que a maioria dos nossos pés poderiam ser mais estáveis.
  2. O tornozelo tem uma tendência à rigidez e, portanto poderia se beneficiar de maiores quantidades de mobilidade e flexibilidade. Isto é particularmente evidente na tendência comum de limitação de dorsiflexão.
  3. O joelho tem uma tendência à frouxidão e, portanto poderia se beneficiar de maiores quantidades de estabilidade e controle motor. Esta tendência geralmente antecede lesões nos joelhos e degenerações que na realidade faz com que eles se tornem rígidos.
  4. O quadril tem uma tendência à rigidez e, portanto poderia se beneficiar de maiores quantidades de mobilidade e flexibilidade. Isto é particularmente evidente em testes de amplitude de movimento para extensão e rotação medial e lateral.
  5. A região sacral e lombar tem uma tendência à frouxidão e, portanto poderia se beneficiar de maiores quantidades de estabilidade e controle motor. Esta região está situada em uma encruzilhada de stress mecânico, e a falta de controle motor é frequentemente substituída com rigidez generalizada como estratégia de sobrevivência.
  6. A região torácica tem uma tendência à rigidez e, portanto poderia se beneficiar de maiores quantidades de mobilidade e flexibilidade. A arquitetura desta região é projetada para suporte, mas maus hábitos posturais podem promover rigidez.
  7. A parte inferior e média da coluna cervical tem uma tendência à frouxidão e, portanto poderia se beneficiar de maiores quantidades de estabilidade e controle motor.
  8. A região cervical superior tem uma tendência à rigidez e, portanto poderia se beneficiar de maiores quantidades de mobilidade e flexibilidade.
  9. A região escapular tem uma tendência à frouxidão e, portanto poderia se beneficiar de maiores quantidades de estabilidade e controle motor. A substituição escapular representa este problema e é um tema comum na reabilitação do ombro.
  10. A articulação do ombro tem uma tendência à rigidez e, portanto poderia se beneficiar de maiores quantidades de mobilidade e flexibilidade.

 

Observe como rigidez e frouxidão se alternam. Claro que traumas e problemas estruturais podem quebrar este ciclo, mas este é um fenômeno presente e observável, produzindo muitos problemas comuns de padrões de movimento. Este fenômeno também representa a regra na avaliação ortopédica de sempre avaliar as articulações acima e abaixo da área problemática. Não seria lógico esperar melhorar a estabilidade do joelho na presença de restrições na mobilidade do tornozelo e do quadril. Da mesma forma, seria inviável supor que uma recente melhora na mobilidade do quadril não voltaria à rigidez se não fosse criada uma melhora na estabilidade no joelho e na região lombar. Frouxidão crônica seria sempre a opção mais fácil de ser utilizada pelo corpo do que a nova mobilidade.

Quando Mike e eu discutimos pela primeira vez estas camadas de opostos, ele fez um ótimo trabalho desenvolvendo o tópico, para discutir uma abordagem mais abrangente para a concepção do programa de exercícios.

O ponto é que a abordagem articulação por articulação não são os 10 Mandamentos da Mobilidade e Estabilidade: Torne o tornozelo móvel. Torne o joelho estável. Torne o quadril móvel. Torne a coluna lombar estável. Nós iremos encontrar a cada momento uma pessoa que tem o tornozelo muito móvel ou que tem uma frouxidão no quadril. Usamos as palavras mobilidade ou estabilidade para implicar um segmento do corpo que poderia estar se movendo melhor ou ter mais controle. A questão toda é praticar com uma abordagem sistêmica para “desobstruir” as articulações acima e abaixo daquela que está com problemas.

Eu fui entrevistado sobre este assunto depois que ele se tornou popular, e muitos dos meus comentários a respeito da discussão sobre esta abordagem foram transcritos para você aqui:

→ Quando falamos do tornozelo, estamos falando a respeito da articulação do tornozelo, os inversores, os eversores, os dorsiflexores, os flexores plantares e todos os outros estabilizadores que controlam este tornozelo. Não estamos falando apenas a respeito da articulação, estamos falando a respeito do complexo. Da mesma forma com o joelho; quadril; a coluna lombar; coluna torácica, e assim sucessivamente por toda cadeia.

→ Quando estiver prestes a fazer um treinamento de estabilização do joelho ou estabilização lombar e toma a abordagem cinesiológica clássica de treinar todos os músculos ao redor do joelho ou todos os músculos ao redor do core, estará cometendo um erro em nove de dez oportunidades. Você está supondo que quando você treina o joelho, o quadril e o tornozelo estão contribuindo como deveriam, tanto quanto deveriam. Isso quase nunca acontece.

→ O mesmo acontece com a estabilidade lombar. Algumas das pessoas que produzem pesquisas com relação à estabilidade lombar hoje em dia são muito bem intencionadas com relação aos músculos que eles querem que ativemos e os músculos em que eles querem que foquemos nossos exercícios. Eu não tenho problemas com pesquisas ou sugestões com relação a estabilidade lombar. Tudo que peço é que os autores usem afirmações de qualidade na sua conversa sobre estabilização do core: Estas afirmações sobre estabilidade tem sido feitas supondo que se saiba como desobstruir os quadris a coluna torácica e outras regiões onde a mobilidade vai realmente comprometer a estabilidade. Estas regiões deveriam ser consideradas como razões potenciais para perda de estabilidade e comportamento de compensação.

→ Logicamente temos de nos certificar que estas áreas são móveis, pois se a os quadris e a coluna torácica não são móveis a estabilidade na coluna lombar que criarmos não é real. Nós desenvolvemos estabilidade e força suficientes fazendo pranchas laterais, mas nós não estabilizamos autenticamente em ambientes naturais. O ponto central na discussão “articulação por articulação” é garantir que estamos trabalhando no que pensamos que estamos trabalhando. A maioria de nós comete o erro assumindo frouxidão nos joelhos, rigidez no tornozelo, rigidez na coluna torácica sem considerar problemas potenciais acima e abaixo.

Prancha lateral

→ Qual seria a razão para a coluna torácica tornar-se rígida? Provavelmente exista uma falta de estabilidade em algum outro lugar. Frequentemente se não há estabilidade necessária do core a coluna torácica ficará rígida o que também funciona no sentido inverso. Se a coluna torácica é muito rígida a estabilidade do core será comprometida. Este não é o caso de encontrar o que veio primeiro: o ovo ou a galinha – é preciso ter ambos ou não será possível controlar nenhum.

A lição que se pode tirar da discussão articulação por articulação é esta: Ao invés de tentar memorizar como tudo isto supostamente funciona em um mundo perfeito, faça a si mesmo estas questões:

– Estou pronto para treinar mobilidade ou estabilidade neste segmento.
– Eu quero que este segmento se mova melhor ou eu quero que este segmento seja mais estável.

– Tenho realmente claro se as articulações acima e abaixo agravam o problema?

Extraído do apêndice 2 do novo livro de Gray Cook: Movimento.

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